20 de março de 2011

Saindo da Torre de Marfim: um relato sobre o XXXI ENED em Brasília



De 11 a 18 de julho deste ano, reuniram-se em Brasília cerca de 1500 estudantes de Direito de todo o País para debaterem o tema “Direito e Sensibilidade” no 31º Encontro Nacional dos Estudantes de Direito – ENED. Diversas universidades estiveram representadas; a mistura de sotaques, as trocas de experiências, os debates, as oficinas e a manifestação estudantil marcaram o Encontro deste ano, organizado pelo CADir (Centro Acadêmico de Direito da UnB) e pela FENED (Federação Nacional dos Estudantes de Direito).

Pela primeira vez nos últimos anos, partiu da UFSC delegação de estudantes de Direito do nosso Curso. A iniciativa de participação no evento não partiu do CAXIF, que está inativo na FENED há 3 anos (portanto, desde que tomou posse a gestão que sucedeu a “O Tempo Não Para”). No entanto, por iniciativa do PET – Programa de Educação Tutorial e do Literato – Grupo de Pesquisa em Direito e Literatura, partiu da UFSC uma delegação.

A Conferência de Abertura do Encontro deu-se na manhã de segunda-feira, quando todos os estudantes foram recepcionados pelo Reitor da UnB e por estudantes representando a FENED e o CADir. Digno de nota o fato de que os acadêmicos presentes à mesa não trajavam terno e gravata, formalismo (desnecessário) que é bastante comum nos eventos acadêmicos organizados pelo CAXIF. A Conferência Inaugural teve como ponto alto a fala da Prof.ª Dra. Deisy Ventura, professora de Direito Internacional da USP, cujas palavras deram o tom do espírito animado das discussões que se sucederam: “o Direito do jeito que está hoje não serve pra nada, mas ele precisa servir pra alguma coisa e nós precisamos fazer com que ele sirva” e “a separação Direito/Política é conversa para boi dormir!”.

A tarde de terça-feira foi marcada pelo ENAJU – Encontro Nacional de Assessoria Jurídica, reunindo mais de 300 estudantes que trabalham com assistência e assessoria jurídica popular por todo o país. Mais uma vez nossa delegação esteve presente e pudemos entrar em contato com estudantes que desenvolvem esse tipo de trabalho.

O Painel da manhã de quarta-feira teve como tema “Abrindo a Caixa de Pandora: a realidade seletiva do sistema criminal”, com a presença do Prof. Dr. Juarez Cirino dos Santos, da UFPR. Após o painel, ocorreu mais uma rodada de Grupos de Trabalhos, no qual nossa delegação coordenou um dos GTs.

O ato público organizado pela Comissão Organizadora do 31º ENED, que teve por lugar a Esplanada dos Ministérios, politizou a tarde de quarta-feira. Com cartazes, faixas, carro de som e palavras de ordem, cerca de 500 estudantes concentraram-se em frente à Catedral Metropolitana de Brasília e seguiram até o Ministério da Educação para reivindicar que o currículo-base das Faculdades de Direito seja voltado à realidade social do país. O repúdio às atléticas e às baterias machistas dos cursos de Direito do País também foi objeto das manifestações.

Durante a manifestação, o teatro teve vez em frente ao MEC: uma encenação jurídica em cujo banco dos réus foi colocado o método de ensino das universidades atuais; na acusação estavam os estudantes; e no meio, a justiça com vendas nos olhos e um juiz amarrado com cordas que mexia de acordo com a vontade alheia cativou o público e casou arte e política. Após a manifestação, uma comissão composta de sete estudantes oriundos do ENED foi recebida pelo chefe de gabinete do MEC. Foram apresentas críticas ao REUNI (Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais) e às limitações do currículo de Direito, e defendeu-se a valorização da pesquisa e da extensão na universidade. O MEC comprometeu-se a receber as propostas elaboradas pela plenária final do 31º ENED e a estabelecer um canal de comunicação direto com estudantes de Direito de todo o Brasil.

A segunda rodada de oficinas ocorreu na quinta-feira pela manhã. A delegação da UFSC ministrou duas delas: uma sobre “Criminologia Crítica”, pelo acadêmico Marcel Soares de Souza e outra sobre “Direito e Literatura”, pelos integrantes do Literato.

Durante a tarde aconteceu o 3º Painel, discutindo-se o tema “Gênero e Direito”, tema nacionalmente recorrente entre os acadêmicos do curso. A delegação ufsquiana coordenou um dos GTs que encaminhou à plenária final pedido de apoio da FENED à descriminalização e à legalização do aborto e de repúdio aos centros acadêmicos que utilizam o corpo da mulher como forma de promover eventos recreativos. Também solicitamos à FENED apoio ao Movimento Pela Criação da Defensoria Pública em Santa Catarina.

No sábado pela manhã, iniciou-se o credenciamento para a plenária final, quando se poderiam credenciar todos os estudantes de Direito que apresentassem atestado de matrícula, todos com direito a voto. Participamos da primeira parte da plenária final, no entanto a delegação não permaneceu até o final em razão do programado retorno à Florianópolis.

Durante o ENED também ocorreu o 1º ENEDEx (Encontro Nacional de Estudantes de Direito Extensionistas), que debateu extensão universitária. O principal objetivo era integrar e articular os projetos de extensão em Direito de todo o Brasil por meio da troca de experiências, da avaliação da extensão e da formulação de propostas para sua melhoria. O Direito/UFSC marcou presença no Encontro apresentando o NEPE (Núcleo de Estudos e Práticas Emancipatórias), o Projeto Espreita e o Projeto Universidade Sem Muros.

Alguns devem estar se perguntando “mas e as festas?”. Sim, o 31.º ENED também foi marcado por festas de confraternização! Neste ano, a organização resolveu inovar. Em todas as noites aconteceram festas oficiais do Evento, reunindo sertanejo, axé, funk e cervejada, que eram pagas; aos não adeptos de tais gêneros musicais ou os que ficavam até mais tarde nos debates e não queriam pagar para festar, aconteceram as festas alternativas no Teatro de Arena da UnB, reunindo desde Novos Baianos Cover, ao som de “eu ia lhe chamar enquanto corria a barca”, até o melhor do Rock 'n' Roll no Dia Internacional do Rock. Certamente, a festa que marcou o ENED deste ano foi a Festa da Diversidade, organizada pelo DCE/UnB juntamente com o CADir, que aconteceu na sede do DCE, dentro do famoso “Minhocão” da Universidade. Todas as festas tinham como teto máximo 2h30 da madrugada, para que os participantes pudessem acordar para as atividades matinais do Evento.

Chamou-nos atenção o tamanho e a organização do Encontro, além do alto nível dos debates entre os estudantes. Não estávamos lá debatendo tecnicismo jurídico: o debate estava muito além disso. Tocamos nos pontos nefrálgicos dos problemas relacionados ao mundo jurídico. Foi muito interessante conhecer estudantes de Direito de todos os cantos do país – estudantes que estão na luta pelo Direito menos opressor, emancipatório, voltado às necessidades do país: um Direito que dialogue com os movimentos sociais e que transforme a sociedade, e não um Direito enclausurado numa Torre de Marfim.

A ida ao Encontro foi válida, as discussões, construtivas, e as trocas de experiências valeram à pena. Acredito que o mais significativo neste Encontro foi, sem sombra de dúvidas, a troca de experiência com estudantes de todo o País e poder ver que o Movimento Estudantil de Direito ainda está muito vivo. É sempre bom saber que não estamos sozinhos nessa luta. Existe algo que vai muito além do formalismo-tecnicista do CAXIF, e foi no ENED que percebemos isso de forma concreta.



* Texto Publicado na Revista Discenso 2 - Revista de Graduação do PET-Direito-UFSC;

* Foto 1: Coletivo Transformar (Direito-UFSC) e Coletivo Maio (Direito-UFPR);

* Foto 2: Mesa de abertura do XXXI ENED