15 de junho de 2011

Reunião Aberta de Planejamento do CAXIF




Algo inédito na história (ao menos recente) do Centro Acadêmico mais antigo de Santa Catarina!


4 de junho de 2011

Os burros, os bondes e os estudantes de Direito


Muito embora empreste seu nome à Avenida Beira-Mar Norte, poucos conhecem a figura de Rubens de Arruda Ramos, ex-aluno da nossa Faculdade. O sobrenome é conhecido: os Ramos estiveram à frente da oligarquia que dominou o cenário político catarinense por muitos anos. No entanto, apesar do famigerado sobrenome e de ser egresso da “Alfaiataria do Didico”, Rubens destoava do conservadorismo de sua família, ao menos nos tempos de juventude.

À frente de sua coluna no jornal “A República”, ele escrevia sobre a política daqueles calorosos anos 30. Nunca deixou muito definido o seu posicionamento político. Simpatizava com os membros da ANL e mantinha certa aversão aos “galinhas verdes” (alcunha dos integralistas). Quando Jorge Lacerda aproximou-se de Plínio Salgado, Rubens lhe enviou uma carta com a frase “Demos e Kratos mandam lembranças...”. Não era um revolucionário, por certo, mas estava à frente do conservadorismo ilhéu do seu tempo.

Em 1935, quando ainda ocupava os bancos da Faculdade de Direito, “Ju”, como era chamado pelos amigos, liderou um levante para modernização do transporte coletivo de Florianópolis. Enquanto Porto Alegre e Curitiba já dispunham de bondes elétricos desde a primeira década do século XX, Floripa ainda era servida por bondes puxados por tração animal, o “bonde a burro”. Talvez inspirados por aquela revolucionária década de 1930, os estudantes de Direito resolveram “afogar” a precária velharia que circulava pelas ruas da Capital.

Numa primeira tentativa na calada da noite, os estudantes do Instituto Politécnico soltaram os burros que pernoitavam e atearam fogo no barracão dos bondes. Entretanto, no dia seguinte, foram surpreendidos pelos bondes andando normalmente pelas ruas, apenas com as cortinas queimadas. A segunda investida partiu dos estudantes de Direito. Sob a liderança do nosso personagem, numa ousada ação, os bondes foram lançados ao mar, nas proximidades do antigo Miramar. No meio do rebuliço, restaram os burros pastando pelas ruas do centro. Foi o estopim para a modernização do transporte coletivo da Capital.

A partir dessa breve retomada histórica do nosso Curso, podem ser elaboradas reflexões diversas, afinal, também é pra isso que serve a História. Dos bondes de 1935 aos ônibus do século XXI vão-se quase 80 anos, mas algo ainda permanece incólume: a debilidade do transporte coletivo da Ilha. Outra questão que pode ser colocada nesse contexto é a relação dos acadêmicos de Direito da UFSC com a realidade do transporte público coletivo de Floripa. E não me refiro aqui ao Direito à Cidade (que daria um importante debate), senão ao aspecto político da problemática. Falo isso por conta da apatia que permeia grande parte do Curso, que pouco se preocupa com o transporte público da cidade, ainda que muitos estudantes se valham dele para vir à aula.

Em maio do ano passado, enquanto milhares tomavam as ruas da cidade protestando contra a tarifa, aqui nos corredores do CCJ era disputada a direção do CAXIF. Uma das chapas passou em sala e foi aos debates defendendo a legitimidade dos protestos e, como já era esperado, a recepção da grande maioria dos nossos colegas foi extremamente reacionária, inclusive a da chapa situacionista, que hoje ocupa a Diretoria.

Entretanto, em que pese o conservadorismo da atual Diretoria do Centro Acadêmico, fomos surpreendidos neste mês de abril pelo Manifesto do Pato Donald, que repudiou o último aumento da tarifa de ônibus e reconheceu a legitimidade dos protestos! Seria esta uma evolução progressista do nosso C.A.? Ou, talvez, influência da União da Juventude Socialista – que de socialista só tem o nome – nos rumos da Diretoria? Ou, quem sabe, tensão interna de uma gestão que malogrou na tentativa de conciliar interesses e opiniões? Eu excluo a primeira opção.

Não nego as boas intenções do Manifesto, mas ele me causa certa estranheza, afinal, no ano passado, o debatedor da chapa vencedora foi incisivo ao vociferar contra as manifestações, afirmando em alto e bom tom que deveríamos nos preocupar em “cuidar do nosso quarto ao invés de querer mudar o mundo”.

Além disso, há que se reparar no “murismo” do Manifesto. Ao comentar o aumento da tarifa e subestimar a inteligência dos usuários do transporte, o texto é raso no posicionamento político do Centro Acadêmico, limitando-se a admitir a legitimidade dos protestos. Talvez fosse mais interessante uma carta-aberta subscrita pelo CAXIF à Câmara de Vereadores e à Prefeitura solicitando, entre outros, audiências públicas sobre as obscuras licitações do transporte público florianopolitano.

Mas tudo bem, o ensinamento que fica é cuidar do quarto, sem nos esquecermos, é claro, de que existe uma pequena diferença entre mudar o mundo e melhorar o transporte público de Floripa. E do contexto atual contraposto ao resgate histórico, a síntese que se extrai é o espírito inerte que hoje paira sobre o CCJ. Nos tempos em que este jornal circulava pela cidade e era formador de opinião, éramos um pouco mais preocupados em mudar o mundo ou, ao menos, mudar a realidade da cidade.

20 de março de 2011

Saindo da Torre de Marfim: um relato sobre o XXXI ENED em Brasília



De 11 a 18 de julho deste ano, reuniram-se em Brasília cerca de 1500 estudantes de Direito de todo o País para debaterem o tema “Direito e Sensibilidade” no 31º Encontro Nacional dos Estudantes de Direito – ENED. Diversas universidades estiveram representadas; a mistura de sotaques, as trocas de experiências, os debates, as oficinas e a manifestação estudantil marcaram o Encontro deste ano, organizado pelo CADir (Centro Acadêmico de Direito da UnB) e pela FENED (Federação Nacional dos Estudantes de Direito).

Pela primeira vez nos últimos anos, partiu da UFSC delegação de estudantes de Direito do nosso Curso. A iniciativa de participação no evento não partiu do CAXIF, que está inativo na FENED há 3 anos (portanto, desde que tomou posse a gestão que sucedeu a “O Tempo Não Para”). No entanto, por iniciativa do PET – Programa de Educação Tutorial e do Literato – Grupo de Pesquisa em Direito e Literatura, partiu da UFSC uma delegação.

A Conferência de Abertura do Encontro deu-se na manhã de segunda-feira, quando todos os estudantes foram recepcionados pelo Reitor da UnB e por estudantes representando a FENED e o CADir. Digno de nota o fato de que os acadêmicos presentes à mesa não trajavam terno e gravata, formalismo (desnecessário) que é bastante comum nos eventos acadêmicos organizados pelo CAXIF. A Conferência Inaugural teve como ponto alto a fala da Prof.ª Dra. Deisy Ventura, professora de Direito Internacional da USP, cujas palavras deram o tom do espírito animado das discussões que se sucederam: “o Direito do jeito que está hoje não serve pra nada, mas ele precisa servir pra alguma coisa e nós precisamos fazer com que ele sirva” e “a separação Direito/Política é conversa para boi dormir!”.

A tarde de terça-feira foi marcada pelo ENAJU – Encontro Nacional de Assessoria Jurídica, reunindo mais de 300 estudantes que trabalham com assistência e assessoria jurídica popular por todo o país. Mais uma vez nossa delegação esteve presente e pudemos entrar em contato com estudantes que desenvolvem esse tipo de trabalho.

O Painel da manhã de quarta-feira teve como tema “Abrindo a Caixa de Pandora: a realidade seletiva do sistema criminal”, com a presença do Prof. Dr. Juarez Cirino dos Santos, da UFPR. Após o painel, ocorreu mais uma rodada de Grupos de Trabalhos, no qual nossa delegação coordenou um dos GTs.

O ato público organizado pela Comissão Organizadora do 31º ENED, que teve por lugar a Esplanada dos Ministérios, politizou a tarde de quarta-feira. Com cartazes, faixas, carro de som e palavras de ordem, cerca de 500 estudantes concentraram-se em frente à Catedral Metropolitana de Brasília e seguiram até o Ministério da Educação para reivindicar que o currículo-base das Faculdades de Direito seja voltado à realidade social do país. O repúdio às atléticas e às baterias machistas dos cursos de Direito do País também foi objeto das manifestações.

Durante a manifestação, o teatro teve vez em frente ao MEC: uma encenação jurídica em cujo banco dos réus foi colocado o método de ensino das universidades atuais; na acusação estavam os estudantes; e no meio, a justiça com vendas nos olhos e um juiz amarrado com cordas que mexia de acordo com a vontade alheia cativou o público e casou arte e política. Após a manifestação, uma comissão composta de sete estudantes oriundos do ENED foi recebida pelo chefe de gabinete do MEC. Foram apresentas críticas ao REUNI (Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais) e às limitações do currículo de Direito, e defendeu-se a valorização da pesquisa e da extensão na universidade. O MEC comprometeu-se a receber as propostas elaboradas pela plenária final do 31º ENED e a estabelecer um canal de comunicação direto com estudantes de Direito de todo o Brasil.

A segunda rodada de oficinas ocorreu na quinta-feira pela manhã. A delegação da UFSC ministrou duas delas: uma sobre “Criminologia Crítica”, pelo acadêmico Marcel Soares de Souza e outra sobre “Direito e Literatura”, pelos integrantes do Literato.

Durante a tarde aconteceu o 3º Painel, discutindo-se o tema “Gênero e Direito”, tema nacionalmente recorrente entre os acadêmicos do curso. A delegação ufsquiana coordenou um dos GTs que encaminhou à plenária final pedido de apoio da FENED à descriminalização e à legalização do aborto e de repúdio aos centros acadêmicos que utilizam o corpo da mulher como forma de promover eventos recreativos. Também solicitamos à FENED apoio ao Movimento Pela Criação da Defensoria Pública em Santa Catarina.

No sábado pela manhã, iniciou-se o credenciamento para a plenária final, quando se poderiam credenciar todos os estudantes de Direito que apresentassem atestado de matrícula, todos com direito a voto. Participamos da primeira parte da plenária final, no entanto a delegação não permaneceu até o final em razão do programado retorno à Florianópolis.

Durante o ENED também ocorreu o 1º ENEDEx (Encontro Nacional de Estudantes de Direito Extensionistas), que debateu extensão universitária. O principal objetivo era integrar e articular os projetos de extensão em Direito de todo o Brasil por meio da troca de experiências, da avaliação da extensão e da formulação de propostas para sua melhoria. O Direito/UFSC marcou presença no Encontro apresentando o NEPE (Núcleo de Estudos e Práticas Emancipatórias), o Projeto Espreita e o Projeto Universidade Sem Muros.

Alguns devem estar se perguntando “mas e as festas?”. Sim, o 31.º ENED também foi marcado por festas de confraternização! Neste ano, a organização resolveu inovar. Em todas as noites aconteceram festas oficiais do Evento, reunindo sertanejo, axé, funk e cervejada, que eram pagas; aos não adeptos de tais gêneros musicais ou os que ficavam até mais tarde nos debates e não queriam pagar para festar, aconteceram as festas alternativas no Teatro de Arena da UnB, reunindo desde Novos Baianos Cover, ao som de “eu ia lhe chamar enquanto corria a barca”, até o melhor do Rock 'n' Roll no Dia Internacional do Rock. Certamente, a festa que marcou o ENED deste ano foi a Festa da Diversidade, organizada pelo DCE/UnB juntamente com o CADir, que aconteceu na sede do DCE, dentro do famoso “Minhocão” da Universidade. Todas as festas tinham como teto máximo 2h30 da madrugada, para que os participantes pudessem acordar para as atividades matinais do Evento.

Chamou-nos atenção o tamanho e a organização do Encontro, além do alto nível dos debates entre os estudantes. Não estávamos lá debatendo tecnicismo jurídico: o debate estava muito além disso. Tocamos nos pontos nefrálgicos dos problemas relacionados ao mundo jurídico. Foi muito interessante conhecer estudantes de Direito de todos os cantos do país – estudantes que estão na luta pelo Direito menos opressor, emancipatório, voltado às necessidades do país: um Direito que dialogue com os movimentos sociais e que transforme a sociedade, e não um Direito enclausurado numa Torre de Marfim.

A ida ao Encontro foi válida, as discussões, construtivas, e as trocas de experiências valeram à pena. Acredito que o mais significativo neste Encontro foi, sem sombra de dúvidas, a troca de experiência com estudantes de todo o País e poder ver que o Movimento Estudantil de Direito ainda está muito vivo. É sempre bom saber que não estamos sozinhos nessa luta. Existe algo que vai muito além do formalismo-tecnicista do CAXIF, e foi no ENED que percebemos isso de forma concreta.



* Texto Publicado na Revista Discenso 2 - Revista de Graduação do PET-Direito-UFSC;

* Foto 1: Coletivo Transformar (Direito-UFSC) e Coletivo Maio (Direito-UFPR);

* Foto 2: Mesa de abertura do XXXI ENED

23 de outubro de 2010

CCJ revive os anos de chumbo




Nesta semana, o Centro de Ciências Jurídicas da UFSC reviveu um pouco dos tempos de ditadura militar brasileira. Na segunda-feira, o CCJ amanheceu com um manifesto de apoio à “revolução de 1964”, subscrito por estudantes do nosso curso à época do golpe. O manifesto causou certo burburinho: os mais perspicazes logo ligaram a reedição do manifesto aos comunistas do curso e/ou ao Seminário Direito e Ditadura; alguns não compreenderam o que se tratava e alguns achavam que aquilo era um viral fascista anti-Dilma!

Na quarta-feira foi o dia do AI-5. E, da mesma forma que os militares invadiram universidades como a UnB, UFMG e UFRJ em 1968, eles retornaram nesta quarta-feira pra invadir o CCJ! Hélio Rodak, figura conhecida do Movimento Estudantil da UFSC, vestido de militar (inclusive com um belo “coturno” adidas!) invadiu algumas aulas do Curso de Direito e deu voz de prisão a estudantes subversivos, todos enquadrados na LSN e sem mandado.

Já a quinta-feira recordou o dia 30 de novembro de 1979, quando estudantes da UFSC revoltaram-se contra a ditadura militar e contra às péssimas condições de vida, por ocasião da visita do Presidente Militar João Baptista Figueiredo à Capital Catarinense. As faixas que o DCE da UFSC fez para aquela manifestação foram reproduzidas e penduradas pelo corredor do CCJ. Um mural com algumas fotos também recordou um pouco daquele episódio, que entrou pra História como Novembrada, a revolta de Florianópolis.

Todas essas intervenções serviram pra chamar a atenção dos cecejotianos aos tempos de ditadura, onde leis eram usadas ao bel-prazer dos militares e direitos fundamentais eram suspensos sem o menor respeito. Um conhecido professor do curso, ao ver a faixa “abaixo a ditadura”, logo cantou a pedra: abaixo também ao autoritarismo que ainda hoje impera aqui dentro!

Agora, o PET-Direito espera que todos compareçam ao Seminário Direito e Ditadura, que se iniciará na próxima segunda-feira, dia 25 de outubro, às 18h no auditório do Fórum do Norte da Ilha. Certamente, depois da semana que vem, poderemos ver mais claramente como os resquícios daqueles tempos ainda imperam no Direito.

18 de outubro de 2010

O Golpe de 1964 e os estudantes de Direito da UFSC: reflexos hoje

Hoje, amanheceu sobre as carteiras do Centro de Ciências Jurídicas da UFSC mais um manifesto. Mas não, não se tratava de um manifesto da esquerda cecejotiana, que volta e meia faz isso. Tratava-se do “manifesto à juventude da Universidade de Santa Catarina e ao povo catarinense”, um texto apoiando a dita “revolução” de 1964, escrito e assinado por 120 estudantes da Faculdade de Direito de Santa Catarina, hoje Curso de Direito da UFSC. Certamente, muitos desses 120 signatários acabaram se arrependendo, um pouco mais tarde, de tal apoio assim que começaram a ver as repressões violentas do estado autoritário ou quando tiveram o Centro Acadêmico XI de Fevereiro – o CAXIF – fechado pela Lei Suplicy. No entanto, ainda hoje é comum (muito comum!) ouvir alguns colegas no meu curso bradarem o golpe e a ditadura como algo que era necessário frente à “ameaça comunista” (deveriam estudar um pouco mais de História...) ou, parafraseando o ilustre ministro do STF, Marco Aurélio de Mello, um mal necessário”. E essa não é apenas a opinião de alguns estudantes do CCJ: muitos professores compartilham dessa opinião e acreditam piamente que a ditadura cumpriu com seu dever de extirpar a ameaça de uma “ditadura” comunista e fazer o país crescer.

O jornalista Luiz Carlos Prates, que sempre perde uma oportunidade de ficar quieto, também está entre as figuras que hoje clamam os tempos de regime militar. O comentarista gaúcho chegou a fazer uma pequena homenagem ao presidente militar João Figueiredo, em comentário veiculado no Jornal do Almoço da RBS, por ocasião dos 30 anos da Novembrada. Chegou a afirmar que a Novembrada foi um movimento de perdedores e que liberdade ele tinha durante a ditadura. Lamentável!

Mas, voltando ao manifesto, o que mais me chama atenção é a sua atemporalidade. Primeiro no que toca ao medo do comunismo, que, passados mais de 46 anos, ainda permanece latente na nossa faculdade todos os anos em época de eleição para o CAXIF. Outro ponto é a empáfia do estudante de direito, que adora se colocar como o detentor de toda a verdade, acima do bem e do mal, afinal, é ele (e eu também...) que conhece a obscuridade das leis.

Isso tudo me lembra um episódio recente do CCJ: o segundo debate para a eleição do CAXIF deste ano. Do lado esquerdo da mesa estava a Chapa 2 – Até Sempre – da qual eu fazia parte e, ao lado direito, ocupava assento a Chapa 1 – Novos Horizontes. Lá pelas tantas do debate veio à tona o tema passe livre e as recentes manifestações contra a tarifa abusivas em Floripa. A minha Chapa defendeu veementemente que o CAXIF, enquanto entidade política que é, deveria apoiar este tipo de manifestação e, além disso, ajudar a pagar a fiança de estudante preso arbitrariamente pela Polícia Militar e colaborar com os habeas corpus. Nossos amigos da Chapa 1, que não por acaso estavam à direita da mesa, conceberam nossa posição como absurda, afinal, tratava-se de um movimento “violento” e que atentava contra o direito de ir e vir das pessoas quando obstruía ruas da cidade em protesto. Ademais, a direita ainda acredita nos “meios legais” para resolver o problema do transporte público na Capital. Não, eles não estavam presentes na reunião da Câmara de Vereadores em que foi aprovada a concessão de quase 70 anos para as empresas de transporte coletivo.

O que percebemos de 1964 até hoje, 2010, é a mesma postura reacionária do estudante de direito. Algumas coisas mudaram de lá pra cá, o CAXIF, muitas vezes, se traveste de uma postura neutra, escondendo as reais intenções daqueles que compõem sua diretoria ou a quem estes servem. Neutralidade é a palavra de ordem que atualmente vigora no CAXIF: nosso C.A. se nega a tomar posição frente aos problemas da sociedade, pois acredita que estará representando todos ao calar-se diante dos conflitos. Como eles mesmos dizem “é preciso primeiro cuidar da casa, pra depois pensar no mundo”, ilusão ridícula!

Há algo de muito tênue que envolve a posição dos 120 estudantes de 1964 com a postura omissa do atual CAXIF. Isso passa pela postura reacionária dos nossos colegas que louram os tempos de ditadura, escondidos atrás de pseudônimos covardes, ou que se colocam contra o povo enquanto sujeito ativo de transformação do Direito. Talvez possa passar despercebido aos olhos de muitos, mas, certamente, há algo de errado.

Manifesto à Juventude da Universidade de Santa Catarina e ao Povo Catarinense*


Os estudantes da Faculdade de Direito desta Universidade, que não podiam, por circunstâncias conhecidas do povo brasileiro, manifestar-se dentro dos princípios democráticos e de acôrdo com a própria Constituição do País, antes dos últimos acontecimentos que abalaram a Nação, lançam à Juventude e ao Povo Catarinense êste manifesto cujo teor é válido, em sua decisão, para o presente e para o futuro.

Acaba de ser extinta no Brasil a mola propulsora do comunismo internacional. Não foi fácil a vitória. Mais difícil será a sua consolidação. Interêsses pessoais de alguns, interesses políticos de outros, vaidades aqui e alhures não faltarão para macular os desígnios gloriosos das Fôrças Armadas do Brasil.

Ao longo da História podemos contemplar na ruina das civilizações o enfraquecimento dos grupos sociais, a divisão das famílias, a liderança do individualismo, o ódio, a inveja, a ambição, a desconfiança, o egoismo, a indiferença – e em consequência disso tudo o desabar dos impérios, o extinguir-se das culturas e o desaparecimento das civilizações. Essa tem sido a origem remota dos grandes cataclismas. Foi o destino da Grécia e de Roma. É a lição triste da sua História.

No estudo das realidades nacionais e universais do nosso tempo, não basta falar em idéias. Não basta falar em ideais. Não basta falar em cultura. Não basta falar em Democracia. Não basta falar em nacionalismo. Não basta falar em Civilização. É necessário saber o que significa cada uma dessas coisas. As idéias e os ideais para nós se conjugam nas clareiras abertas do Cristianismo. Os gregos e os romanos, nos momentos culminantes de sua história, foram povos cultos mas nem sempre civilizados. Porque só o Cristianismo civiliza os povos. E sómente à luz de seus princípios, nas tradições de cada povo, se conceitua a verdadeira Democracia.

Ao sôpro de idéias extravagantes, oriundas de nações abaladas pela guerra, temos recebido da Europa e de outros pontos do mundo nações erradas e até criminosas sôbre nós e a nossa própria civilização. É o caso, por exemplo, do nacionalismo, bandeira hoje desfraldada até mesmo por aqueles que negam a Nação e sua própria Pátria.

Nós, estudantes de Direito, temos, acima de todos, o dever de empunhar o lema da Lei, da Ordem e da Liberdade humana, contra tôdas as tiranias negadoras do homem e da Civilização. Temos de ter a convicção inabalável do direito e da justiça.

Não faltemos, pois, ao nosso Destino. Não faltemos à nossa Missão. Seria um crime de lesa-Pátria.


Florianópolis, 06 de abril de 1964.

Seguem-se 120 assinaturas.


*Texto transcrito ipsis litteris do Jornal O Estado.


16 de outubro de 2010

Uma homenagem ao Movimento Estudantil


O PET-Direito da Universidade Federal de Santa Catarina promove entre os dias 25 e 29 de outubro de 2010 o Seminário Direito e Ditadura, visando trazer para a Academia um debate crítico acerca dos 21 anos de ditadura militar no Brasil. Muito embora seja lugar-comum analisar a ditadura militar brasileira como uma página virada na nossa História, nós, do PET-Direito, queremos mostrar que, após 25 do fim do regime autoritário, ainda permanecem fortes alguns resquícios deste período: basta observar a cultura de violência que ainda permanece nas instituições de polícia, a dificuldade em abrir os arquivos daquela época e a polêmica Lei de Anistia. Diferentemente dos nossos hermanos do Chile e da Argentina, nós não tivemos uma justiça de transição após a ditadura; isso nos impôs uma “democracia” maculada pela obscuridade do signo da ação autoritária. De acordo com a ONU, o Brasil é o único país da América Latina onde a tortura aumentou após o fim da ditadura.

Bom, entro em maiores investigações sobre tais resquícios no artigo que estou finalizando para o evento. O objetivo deste post é outro. Há um tempo, comentei com a Helena a respeito de um ex-aluno do Curso de Direito da UFSC, que foi presidente do DCE no episódio da Novembrada, em 1979. Trata-se de Adolfo Luiz Dias (1954-1999). Helena, então, sugeriu que fizéssemos uma homenagem a Adolfo. A partir de então, iniciei uma busca pela reconstrução da memória deste peculiar militante do Movimento Estudantil da UFSC e de Santa Catarina. Em conversas com pessoas que conviveram com Adolfo só ouvi elogios ao seu caráter. Todas e todos lembram com muito carinho deste camarada, que deixou muito cedo seus amigos e familiares.

Adolfo foi o primeiro presidente eleito diretamente para o DCE da UFSC. Vale lembrar que os DCEs foram criados pelo regime militar, através da Lei Suplicy, que objetivava centralizar a “política” estudantil. Através desse modelo, os estudantes elegiam representantes para o DA (Diretório Acadêmico) e esses representantes elegiam o presidente do DCE. Nas eleições, o reitor ficava ao lado da urna! O primeiro presidente eleito dentro desse modelo foi o famigerado Rodolfo Pinto da Luz, futuro professor do Curso de Direito da UFSC e eleito reitor três vezes. Mas, voltando ao nosso homenageado, Adolfo encabeçava a chapa “Unidade”, que tinha como objetivo lutar em defesa dos direitos estudantis e democratizar a Universidade.

Após eleita, a gestão “Unidade” ocuparia quase que diariamente as páginas dos principais jornais de Santa Catarina. Isso porque a gestão, desde seu início, fez forte campanha por melhorias no Restaurante Universitário, pelo Hospital Universitário e por melhorias nas condições de ensino. Assembléias Estudantis lotavam o hall da Reitoria. Além disso, foi realizado um ato contra a Lei de Segurança Nacional, no início de 1980, onde o Reitor Stemmer, mantendo sua postura autoritária, fechou as porta da Reitoria, deixando os estudantes na rua.

Mas, certamente, o fato que mais marcou essa gestão foi a manifestação contra a presença do Presidente Militar João Baptista Figueiredo em Florianópolis, que ficou conhecida nacionalmente como Novembrada e marcou o início do declínio do regime ditatorial. Na época, foi decretada a prisão de sete estudantes, todos enquadrados na Lei de Segurança Nacional. Coincidentemente (ou não...) eram os membros da diretoria do DCE e todos militantes ativos em seus respectivos cursos. Eram eles: Geraldo Barbosa, Amilton Alexandre (o conhecido Mosquito), Rosângela Koerich, Newton Vasconcelos, Marise Lippel, Lígia Giovanella e Adolfo Dias. Todos foram julgados no ano seguinte por um Tribunal Militar em Curitiba, sendo absolvidos por 3 votos a 2.

A gestão “Unidade” também esteve presente nos congressos que reconstruíram a UNE. Em 1980, após a absolvição, Adolfo concorreu à União Catarinense dos Estudantes – UCE, que estava sendo reconstruída, sendo que sua chapa foi eleita com mais de 3 mil votos.

Nosso homenageado colou grau em Direito no segundo semestre de 1981. Adolfo advogou e foi oficial de justiça do TRT-SC. Casou-se, teve dois filhos. Faleceu precocemente em 1999, aos 48 anos de idade.

Adolfo era um comunista convicto de seus ideais, um líder de forte carisma, que lutou por toda sua vida contra a opressão política, religiosa e sexual. Possuía um forte poder de argumentação e, com toda energia estudantil de seus companheiros de luta, conseguiu mobilizar muitos estudantes naquele ano de 1979. Gostava muito de ler, era apaixonado por poesia e teatro.

Na figura de Adolfo conseguimos ver como aqueles anos conseguiam mobilizar muitos estudantes em torno de uma causa, algo que hoje é muito difícil ocorrer. Adolfo também nos mostra a importância de permanecer firme naquilo que acreditamos e defendemos.

Ao homenagear Adolfo Luiz Dias, de saudosa memória, o PET-Direito homenageia também Geraldo, Rosângela, Alexandre, Newton, Marise, Lígia e todos que lutaram contra a ditadura e, ainda hoje, lutam contra qualquer tipo de opressão.

A partir do dia 25 de outubro, primeiro dia do Seminário Direito e Ditadura, Adolfo emprestará seu nome à sala 01 do Centro de Ciências Jurídicas da UFSC, a sala dos calouros. Uma homenagem mais que merecida!

22 de setembro de 2010

O que o CAXIF tem a ver com os Movimentos Sociais?*


Vivemos tempos em que, cada vez mais, somos proibidos de falar e, sobretudo, de lutar contra as mazelas que nos afligem. Somos privados de gritar contra as ditas verdades postas, sejam elas um cartaz machista no corredor da faculdade, as tarifas abusivas de ônibus ou, até mesmo, a perversa divisão de terras do nosso país. São em momentos como estes que colocamos (ou deveríamos colocar!) o Direito em xeque e questionamos as injustiças que assolam o povo brasileiro. Não podemos esquecer que grande parte dos direitos hoje petrificados na dita Constituição “Cidadã” de 1988 não são uma mera concessão do Estado; são, na verdade, o fruto de séculos de lutas, através das quais pessoas deram sua vida para que pudéssemos gozar de um extenso rol de direitos fundamentais. Entretanto, esquecem de nos ensinar isso nas aulas de História do Direito.

Há tempos que, na linha de frente deste cenário, os movimentos sociais lutam para inverter essa lógica excludente e trazer um pouco mais de justiça para os nossos dias. Dentre esses, destaca-se o Movimento Estudantil, adjetivado de inglório pelo atual grupo (o qual gosto de chamar de direita, não por mera birra) que ocupa o CAXIF, como acentuou a ex-vice-presidenta de nosso C.A. em seu discurso de encerramento do último Congresso de Direito da UFSC. No entanto, a interlocutora do citado discurso mostra que muito pouco (ou nada!) conhece da história de nossa Universidade.

Basta lembrar os estudantes que, na década de 1960, ocuparam a casa do então Reitor João Davi Ferreira Lima reivindicando a construção de um restaurante universitário. À época foram atendidos e hoje temos um R.U. E por que não citar o episódio da década de 1970 em que os estudantes da UFSC ocuparam uma casa onde eram guardados materiais de construção de prédios da Universidade, localizada nos limites do campus (em frente ao atual Empório Manhattan), transformando aquela casa em moradia estudantil, até hoje utilizada para este fim? Um último exemplo são as bolsas de permanência, conquistadas a duras penas pelos estudantes no conturbado ano de 2007. Enfim, pergunto: onde estão as inglórias do movimento estudantil?

Outro movimento social que vem ganhando as páginas dos principais jornais de Santa Catarina é o MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Foram notórias as prisões arbitrárias efetuadas contra integrantes do Movimento no início deste ano, bem como a incessante tentativa da Polícia Militar catarinense de criminalizar o MST, entre outros movimentos. As prisões foram criticadas e classificadas como ilegais por vários juristas e até mesmo pelas associações dos delegados da Polícia Civil e Federal. Infelizmente, em momento algum o CAXIF demonstrou repúdio ao lamentável episódio. Inclusive, durante a última campanha para o CAXIF, a Chapa “Até Sempre” defendeu o MST colocando uma foto do movimento no polêmico varal, sendo que foi interpelada em sala por um integrante da Chapa “Novos Horizontes”, hoje gestão, onde este disse que o MST é um movimento ilegal, pois age contra legem (novidade!) e que ele conhecia a “realidade” do MST, pois seu pai tem uma fazenda. Bom, quanto a “conhecer a realidade”, é interessante também conhecer in loco a realidade de alguns assentamentos e acampamentos do Movimento aqui em Santa Catarina, como, por exemplo, a Cooperoeste do MST de São Miguel do Oeste/SC, que produz o Leite Terra Viva, o qual chega diariamente à mesa de 1,5 milhão de pessoas na Região Sul e em São Paulo.

Outra pauta importante, abandonada por completo pela direita que está no CAXIF nos últimos três anos, é o Movimento Pela Criação da Defensoria Pública em Santa Catarina. A Defensoria Pública é um órgão do Estado, garantido no art. 134 da Constituição Federal, que tem o dever constitucional de prestar assistência jurídica gratuita às pessoas que não podem pagar um advogado particular. Nosso Estado não possui uma Defensoria Pública Estadual nos termos da Constituição Federal e da Lei Complementar 80/94, deixando ainda mais precário o acesso à justiça pelos catarinenses. Frente a esse descaso, surgiu em 2005, na UNOCHAPECÓ, o Movimento Pela Criação da Defensoria Pública em Santa Catarina, que no dia 30 de junho deste ano entregou, na Assembléia Legislativa, um abaixo-assinado com quase 50 mil signatários, juntamente com um projeto de lei de iniciativa popular (o primeiro de Santa Catarina!), prevendo a criação da Defensoria Pública Estadual em nosso Estado.

Ocorre que, no mesmo dia, a OAB/SC emitiu uma nota posicionando-se contrária à criação da Defensoria Pública em Santa Catarina, além de promover um debate entre os candidatos ao Governo de Santa Catarina. No debate, a OAB/SC se posicionou, mais uma vez, contrária à Defensoria Pública e conseguiu extrair dos candidatos um apoio à Defensoria Dativa (modelo de defensoria prestado pela OAB/SC). A candidata Ângela Amin (PP) chegou ao ponto de afirmar que o trabalho da defensoria dativa “vem sendo positivo” e o candidato Raimundo Colombo (DEM) referiu-se à defensoria dativa dizendo que ela tem “excelentes resultados”, ou seja, os candidatos que mais pontuam nas pesquisas desconhecem a precária realidade do acesso à justiça em nosso Estado!

Para finalizar a total indiferença do atual CAXIF em relação aos movimentos sociais, temos as manifestações contra o aumento abusivo da tarifa de ônibus em Florianópolis, ocorridas no último mês de maio. Num momento em que o Diretório Central dos Estudantes da UFSC, diversos Centros Acadêmicos e organizações civis uniram-se contra a tarifa abusiva, o Centro Acadêmico XI de Fevereiro, C.A. mais antigo de Santa Catarina, fecha os olhos a esse problema e sequer emite uma nota de apoio aos mais de seis mil cidadãos que tomaram as ruas da Capital em protesto ou de repúdio ao lamentável episódio em que a Polícia Militar invadiu o campus da UDESC e prendeu arbitrariamente diversos estudantes.

Alegaram que não puderam trazer tal debate ao CCJ por estarem ocupados demais com outras atividades, estas que, por sua vez, garantiriam votos à chapa da direita. Num dos debates entre as chapas na última eleição para o CAXIF, o debatedor da Chapa “Novos Horizontes” disse que era um absurdo um C.A. pagar a fiança de estudante preso nas manifestações; entretanto, absurdo é o que acontece dentro das prisões com esses estudantes presos. Sem falar que o CAXIF, por ser um centro acadêmico de Direito, poderia ajudar nas Manifestações de outras maneiras, como, por exemplo, discutindo o direito à cidade além de questões de direito administrativo e tributário relacionadas ao transporte público que, em Florianópolis, já perdeu o caráter público há muito tempo!

É lamentável que o CAXIF seja hoje um centro acadêmico alheio a essas questões, um C.A. que não se posiciona, diferentemente do que acontecia em outros tempos (basta analisar o arquivo histórico do CAXIF). O nosso Centro Acadêmico, do jeito que está – mergulhado num formalismo autorreferente, adepto de um assistencialismo-maçônico-caridoso falido e insensível aos movimentos sociais – só vai andando na contramão da História, em nada contribuindo para as transformações necessárias ao Direito vigente.


* Texto que escrevi para a Folha Acadêmica, do CAXIF, e foi recusado pelo tamanho.

Foto: Movimento Passe Livre de Florianópolis em manifestação na Av. Hercílio Luz em 13 de maio de 2005. Eu estava lá no meio.

24 de agosto de 2010

Nossas vidas, geralmente, trazem consigo ao longo do tempo mais que um simples norteamento calcado em objetivos e desafios. Cada um de nós traz por toda a sua existência uma série de desejos, dúvidas, características e questionamentos que nunca, jamais serão compreendidos. Pensando desta forma podemos concluir que nunca viveremos plenamente, pois sempre haverá algo a realizar. Talvez este seja o grande prazer de viver, saber que não há um limite para as nossas inquietações, que estas estarão sempre junto a nós, nos motivando e fazendo com que nos superemos a cada novo desafio.


Agora me lanço a um novo desafio: tentar voltar pra cá e acrescentar algo de útil ao debate.