23 de outubro de 2010

CCJ revive os anos de chumbo




Nesta semana, o Centro de Ciências Jurídicas da UFSC reviveu um pouco dos tempos de ditadura militar brasileira. Na segunda-feira, o CCJ amanheceu com um manifesto de apoio à “revolução de 1964”, subscrito por estudantes do nosso curso à época do golpe. O manifesto causou certo burburinho: os mais perspicazes logo ligaram a reedição do manifesto aos comunistas do curso e/ou ao Seminário Direito e Ditadura; alguns não compreenderam o que se tratava e alguns achavam que aquilo era um viral fascista anti-Dilma!

Na quarta-feira foi o dia do AI-5. E, da mesma forma que os militares invadiram universidades como a UnB, UFMG e UFRJ em 1968, eles retornaram nesta quarta-feira pra invadir o CCJ! Hélio Rodak, figura conhecida do Movimento Estudantil da UFSC, vestido de militar (inclusive com um belo “coturno” adidas!) invadiu algumas aulas do Curso de Direito e deu voz de prisão a estudantes subversivos, todos enquadrados na LSN e sem mandado.

Já a quinta-feira recordou o dia 30 de novembro de 1979, quando estudantes da UFSC revoltaram-se contra a ditadura militar e contra às péssimas condições de vida, por ocasião da visita do Presidente Militar João Baptista Figueiredo à Capital Catarinense. As faixas que o DCE da UFSC fez para aquela manifestação foram reproduzidas e penduradas pelo corredor do CCJ. Um mural com algumas fotos também recordou um pouco daquele episódio, que entrou pra História como Novembrada, a revolta de Florianópolis.

Todas essas intervenções serviram pra chamar a atenção dos cecejotianos aos tempos de ditadura, onde leis eram usadas ao bel-prazer dos militares e direitos fundamentais eram suspensos sem o menor respeito. Um conhecido professor do curso, ao ver a faixa “abaixo a ditadura”, logo cantou a pedra: abaixo também ao autoritarismo que ainda hoje impera aqui dentro!

Agora, o PET-Direito espera que todos compareçam ao Seminário Direito e Ditadura, que se iniciará na próxima segunda-feira, dia 25 de outubro, às 18h no auditório do Fórum do Norte da Ilha. Certamente, depois da semana que vem, poderemos ver mais claramente como os resquícios daqueles tempos ainda imperam no Direito.

18 de outubro de 2010

O Golpe de 1964 e os estudantes de Direito da UFSC: reflexos hoje

Hoje, amanheceu sobre as carteiras do Centro de Ciências Jurídicas da UFSC mais um manifesto. Mas não, não se tratava de um manifesto da esquerda cecejotiana, que volta e meia faz isso. Tratava-se do “manifesto à juventude da Universidade de Santa Catarina e ao povo catarinense”, um texto apoiando a dita “revolução” de 1964, escrito e assinado por 120 estudantes da Faculdade de Direito de Santa Catarina, hoje Curso de Direito da UFSC. Certamente, muitos desses 120 signatários acabaram se arrependendo, um pouco mais tarde, de tal apoio assim que começaram a ver as repressões violentas do estado autoritário ou quando tiveram o Centro Acadêmico XI de Fevereiro – o CAXIF – fechado pela Lei Suplicy. No entanto, ainda hoje é comum (muito comum!) ouvir alguns colegas no meu curso bradarem o golpe e a ditadura como algo que era necessário frente à “ameaça comunista” (deveriam estudar um pouco mais de História...) ou, parafraseando o ilustre ministro do STF, Marco Aurélio de Mello, um mal necessário”. E essa não é apenas a opinião de alguns estudantes do CCJ: muitos professores compartilham dessa opinião e acreditam piamente que a ditadura cumpriu com seu dever de extirpar a ameaça de uma “ditadura” comunista e fazer o país crescer.

O jornalista Luiz Carlos Prates, que sempre perde uma oportunidade de ficar quieto, também está entre as figuras que hoje clamam os tempos de regime militar. O comentarista gaúcho chegou a fazer uma pequena homenagem ao presidente militar João Figueiredo, em comentário veiculado no Jornal do Almoço da RBS, por ocasião dos 30 anos da Novembrada. Chegou a afirmar que a Novembrada foi um movimento de perdedores e que liberdade ele tinha durante a ditadura. Lamentável!

Mas, voltando ao manifesto, o que mais me chama atenção é a sua atemporalidade. Primeiro no que toca ao medo do comunismo, que, passados mais de 46 anos, ainda permanece latente na nossa faculdade todos os anos em época de eleição para o CAXIF. Outro ponto é a empáfia do estudante de direito, que adora se colocar como o detentor de toda a verdade, acima do bem e do mal, afinal, é ele (e eu também...) que conhece a obscuridade das leis.

Isso tudo me lembra um episódio recente do CCJ: o segundo debate para a eleição do CAXIF deste ano. Do lado esquerdo da mesa estava a Chapa 2 – Até Sempre – da qual eu fazia parte e, ao lado direito, ocupava assento a Chapa 1 – Novos Horizontes. Lá pelas tantas do debate veio à tona o tema passe livre e as recentes manifestações contra a tarifa abusivas em Floripa. A minha Chapa defendeu veementemente que o CAXIF, enquanto entidade política que é, deveria apoiar este tipo de manifestação e, além disso, ajudar a pagar a fiança de estudante preso arbitrariamente pela Polícia Militar e colaborar com os habeas corpus. Nossos amigos da Chapa 1, que não por acaso estavam à direita da mesa, conceberam nossa posição como absurda, afinal, tratava-se de um movimento “violento” e que atentava contra o direito de ir e vir das pessoas quando obstruía ruas da cidade em protesto. Ademais, a direita ainda acredita nos “meios legais” para resolver o problema do transporte público na Capital. Não, eles não estavam presentes na reunião da Câmara de Vereadores em que foi aprovada a concessão de quase 70 anos para as empresas de transporte coletivo.

O que percebemos de 1964 até hoje, 2010, é a mesma postura reacionária do estudante de direito. Algumas coisas mudaram de lá pra cá, o CAXIF, muitas vezes, se traveste de uma postura neutra, escondendo as reais intenções daqueles que compõem sua diretoria ou a quem estes servem. Neutralidade é a palavra de ordem que atualmente vigora no CAXIF: nosso C.A. se nega a tomar posição frente aos problemas da sociedade, pois acredita que estará representando todos ao calar-se diante dos conflitos. Como eles mesmos dizem “é preciso primeiro cuidar da casa, pra depois pensar no mundo”, ilusão ridícula!

Há algo de muito tênue que envolve a posição dos 120 estudantes de 1964 com a postura omissa do atual CAXIF. Isso passa pela postura reacionária dos nossos colegas que louram os tempos de ditadura, escondidos atrás de pseudônimos covardes, ou que se colocam contra o povo enquanto sujeito ativo de transformação do Direito. Talvez possa passar despercebido aos olhos de muitos, mas, certamente, há algo de errado.

Manifesto à Juventude da Universidade de Santa Catarina e ao Povo Catarinense*


Os estudantes da Faculdade de Direito desta Universidade, que não podiam, por circunstâncias conhecidas do povo brasileiro, manifestar-se dentro dos princípios democráticos e de acôrdo com a própria Constituição do País, antes dos últimos acontecimentos que abalaram a Nação, lançam à Juventude e ao Povo Catarinense êste manifesto cujo teor é válido, em sua decisão, para o presente e para o futuro.

Acaba de ser extinta no Brasil a mola propulsora do comunismo internacional. Não foi fácil a vitória. Mais difícil será a sua consolidação. Interêsses pessoais de alguns, interesses políticos de outros, vaidades aqui e alhures não faltarão para macular os desígnios gloriosos das Fôrças Armadas do Brasil.

Ao longo da História podemos contemplar na ruina das civilizações o enfraquecimento dos grupos sociais, a divisão das famílias, a liderança do individualismo, o ódio, a inveja, a ambição, a desconfiança, o egoismo, a indiferença – e em consequência disso tudo o desabar dos impérios, o extinguir-se das culturas e o desaparecimento das civilizações. Essa tem sido a origem remota dos grandes cataclismas. Foi o destino da Grécia e de Roma. É a lição triste da sua História.

No estudo das realidades nacionais e universais do nosso tempo, não basta falar em idéias. Não basta falar em ideais. Não basta falar em cultura. Não basta falar em Democracia. Não basta falar em nacionalismo. Não basta falar em Civilização. É necessário saber o que significa cada uma dessas coisas. As idéias e os ideais para nós se conjugam nas clareiras abertas do Cristianismo. Os gregos e os romanos, nos momentos culminantes de sua história, foram povos cultos mas nem sempre civilizados. Porque só o Cristianismo civiliza os povos. E sómente à luz de seus princípios, nas tradições de cada povo, se conceitua a verdadeira Democracia.

Ao sôpro de idéias extravagantes, oriundas de nações abaladas pela guerra, temos recebido da Europa e de outros pontos do mundo nações erradas e até criminosas sôbre nós e a nossa própria civilização. É o caso, por exemplo, do nacionalismo, bandeira hoje desfraldada até mesmo por aqueles que negam a Nação e sua própria Pátria.

Nós, estudantes de Direito, temos, acima de todos, o dever de empunhar o lema da Lei, da Ordem e da Liberdade humana, contra tôdas as tiranias negadoras do homem e da Civilização. Temos de ter a convicção inabalável do direito e da justiça.

Não faltemos, pois, ao nosso Destino. Não faltemos à nossa Missão. Seria um crime de lesa-Pátria.


Florianópolis, 06 de abril de 1964.

Seguem-se 120 assinaturas.


*Texto transcrito ipsis litteris do Jornal O Estado.


16 de outubro de 2010

Uma homenagem ao Movimento Estudantil


O PET-Direito da Universidade Federal de Santa Catarina promove entre os dias 25 e 29 de outubro de 2010 o Seminário Direito e Ditadura, visando trazer para a Academia um debate crítico acerca dos 21 anos de ditadura militar no Brasil. Muito embora seja lugar-comum analisar a ditadura militar brasileira como uma página virada na nossa História, nós, do PET-Direito, queremos mostrar que, após 25 do fim do regime autoritário, ainda permanecem fortes alguns resquícios deste período: basta observar a cultura de violência que ainda permanece nas instituições de polícia, a dificuldade em abrir os arquivos daquela época e a polêmica Lei de Anistia. Diferentemente dos nossos hermanos do Chile e da Argentina, nós não tivemos uma justiça de transição após a ditadura; isso nos impôs uma “democracia” maculada pela obscuridade do signo da ação autoritária. De acordo com a ONU, o Brasil é o único país da América Latina onde a tortura aumentou após o fim da ditadura.

Bom, entro em maiores investigações sobre tais resquícios no artigo que estou finalizando para o evento. O objetivo deste post é outro. Há um tempo, comentei com a Helena a respeito de um ex-aluno do Curso de Direito da UFSC, que foi presidente do DCE no episódio da Novembrada, em 1979. Trata-se de Adolfo Luiz Dias (1954-1999). Helena, então, sugeriu que fizéssemos uma homenagem a Adolfo. A partir de então, iniciei uma busca pela reconstrução da memória deste peculiar militante do Movimento Estudantil da UFSC e de Santa Catarina. Em conversas com pessoas que conviveram com Adolfo só ouvi elogios ao seu caráter. Todas e todos lembram com muito carinho deste camarada, que deixou muito cedo seus amigos e familiares.

Adolfo foi o primeiro presidente eleito diretamente para o DCE da UFSC. Vale lembrar que os DCEs foram criados pelo regime militar, através da Lei Suplicy, que objetivava centralizar a “política” estudantil. Através desse modelo, os estudantes elegiam representantes para o DA (Diretório Acadêmico) e esses representantes elegiam o presidente do DCE. Nas eleições, o reitor ficava ao lado da urna! O primeiro presidente eleito dentro desse modelo foi o famigerado Rodolfo Pinto da Luz, futuro professor do Curso de Direito da UFSC e eleito reitor três vezes. Mas, voltando ao nosso homenageado, Adolfo encabeçava a chapa “Unidade”, que tinha como objetivo lutar em defesa dos direitos estudantis e democratizar a Universidade.

Após eleita, a gestão “Unidade” ocuparia quase que diariamente as páginas dos principais jornais de Santa Catarina. Isso porque a gestão, desde seu início, fez forte campanha por melhorias no Restaurante Universitário, pelo Hospital Universitário e por melhorias nas condições de ensino. Assembléias Estudantis lotavam o hall da Reitoria. Além disso, foi realizado um ato contra a Lei de Segurança Nacional, no início de 1980, onde o Reitor Stemmer, mantendo sua postura autoritária, fechou as porta da Reitoria, deixando os estudantes na rua.

Mas, certamente, o fato que mais marcou essa gestão foi a manifestação contra a presença do Presidente Militar João Baptista Figueiredo em Florianópolis, que ficou conhecida nacionalmente como Novembrada e marcou o início do declínio do regime ditatorial. Na época, foi decretada a prisão de sete estudantes, todos enquadrados na Lei de Segurança Nacional. Coincidentemente (ou não...) eram os membros da diretoria do DCE e todos militantes ativos em seus respectivos cursos. Eram eles: Geraldo Barbosa, Amilton Alexandre (o conhecido Mosquito), Rosângela Koerich, Newton Vasconcelos, Marise Lippel, Lígia Giovanella e Adolfo Dias. Todos foram julgados no ano seguinte por um Tribunal Militar em Curitiba, sendo absolvidos por 3 votos a 2.

A gestão “Unidade” também esteve presente nos congressos que reconstruíram a UNE. Em 1980, após a absolvição, Adolfo concorreu à União Catarinense dos Estudantes – UCE, que estava sendo reconstruída, sendo que sua chapa foi eleita com mais de 3 mil votos.

Nosso homenageado colou grau em Direito no segundo semestre de 1981. Adolfo advogou e foi oficial de justiça do TRT-SC. Casou-se, teve dois filhos. Faleceu precocemente em 1999, aos 48 anos de idade.

Adolfo era um comunista convicto de seus ideais, um líder de forte carisma, que lutou por toda sua vida contra a opressão política, religiosa e sexual. Possuía um forte poder de argumentação e, com toda energia estudantil de seus companheiros de luta, conseguiu mobilizar muitos estudantes naquele ano de 1979. Gostava muito de ler, era apaixonado por poesia e teatro.

Na figura de Adolfo conseguimos ver como aqueles anos conseguiam mobilizar muitos estudantes em torno de uma causa, algo que hoje é muito difícil ocorrer. Adolfo também nos mostra a importância de permanecer firme naquilo que acreditamos e defendemos.

Ao homenagear Adolfo Luiz Dias, de saudosa memória, o PET-Direito homenageia também Geraldo, Rosângela, Alexandre, Newton, Marise, Lígia e todos que lutaram contra a ditadura e, ainda hoje, lutam contra qualquer tipo de opressão.

A partir do dia 25 de outubro, primeiro dia do Seminário Direito e Ditadura, Adolfo emprestará seu nome à sala 01 do Centro de Ciências Jurídicas da UFSC, a sala dos calouros. Uma homenagem mais que merecida!