4 de junho de 2011

Os burros, os bondes e os estudantes de Direito


Muito embora empreste seu nome à Avenida Beira-Mar Norte, poucos conhecem a figura de Rubens de Arruda Ramos, ex-aluno da nossa Faculdade. O sobrenome é conhecido: os Ramos estiveram à frente da oligarquia que dominou o cenário político catarinense por muitos anos. No entanto, apesar do famigerado sobrenome e de ser egresso da “Alfaiataria do Didico”, Rubens destoava do conservadorismo de sua família, ao menos nos tempos de juventude.

À frente de sua coluna no jornal “A República”, ele escrevia sobre a política daqueles calorosos anos 30. Nunca deixou muito definido o seu posicionamento político. Simpatizava com os membros da ANL e mantinha certa aversão aos “galinhas verdes” (alcunha dos integralistas). Quando Jorge Lacerda aproximou-se de Plínio Salgado, Rubens lhe enviou uma carta com a frase “Demos e Kratos mandam lembranças...”. Não era um revolucionário, por certo, mas estava à frente do conservadorismo ilhéu do seu tempo.

Em 1935, quando ainda ocupava os bancos da Faculdade de Direito, “Ju”, como era chamado pelos amigos, liderou um levante para modernização do transporte coletivo de Florianópolis. Enquanto Porto Alegre e Curitiba já dispunham de bondes elétricos desde a primeira década do século XX, Floripa ainda era servida por bondes puxados por tração animal, o “bonde a burro”. Talvez inspirados por aquela revolucionária década de 1930, os estudantes de Direito resolveram “afogar” a precária velharia que circulava pelas ruas da Capital.

Numa primeira tentativa na calada da noite, os estudantes do Instituto Politécnico soltaram os burros que pernoitavam e atearam fogo no barracão dos bondes. Entretanto, no dia seguinte, foram surpreendidos pelos bondes andando normalmente pelas ruas, apenas com as cortinas queimadas. A segunda investida partiu dos estudantes de Direito. Sob a liderança do nosso personagem, numa ousada ação, os bondes foram lançados ao mar, nas proximidades do antigo Miramar. No meio do rebuliço, restaram os burros pastando pelas ruas do centro. Foi o estopim para a modernização do transporte coletivo da Capital.

A partir dessa breve retomada histórica do nosso Curso, podem ser elaboradas reflexões diversas, afinal, também é pra isso que serve a História. Dos bondes de 1935 aos ônibus do século XXI vão-se quase 80 anos, mas algo ainda permanece incólume: a debilidade do transporte coletivo da Ilha. Outra questão que pode ser colocada nesse contexto é a relação dos acadêmicos de Direito da UFSC com a realidade do transporte público coletivo de Floripa. E não me refiro aqui ao Direito à Cidade (que daria um importante debate), senão ao aspecto político da problemática. Falo isso por conta da apatia que permeia grande parte do Curso, que pouco se preocupa com o transporte público da cidade, ainda que muitos estudantes se valham dele para vir à aula.

Em maio do ano passado, enquanto milhares tomavam as ruas da cidade protestando contra a tarifa, aqui nos corredores do CCJ era disputada a direção do CAXIF. Uma das chapas passou em sala e foi aos debates defendendo a legitimidade dos protestos e, como já era esperado, a recepção da grande maioria dos nossos colegas foi extremamente reacionária, inclusive a da chapa situacionista, que hoje ocupa a Diretoria.

Entretanto, em que pese o conservadorismo da atual Diretoria do Centro Acadêmico, fomos surpreendidos neste mês de abril pelo Manifesto do Pato Donald, que repudiou o último aumento da tarifa de ônibus e reconheceu a legitimidade dos protestos! Seria esta uma evolução progressista do nosso C.A.? Ou, talvez, influência da União da Juventude Socialista – que de socialista só tem o nome – nos rumos da Diretoria? Ou, quem sabe, tensão interna de uma gestão que malogrou na tentativa de conciliar interesses e opiniões? Eu excluo a primeira opção.

Não nego as boas intenções do Manifesto, mas ele me causa certa estranheza, afinal, no ano passado, o debatedor da chapa vencedora foi incisivo ao vociferar contra as manifestações, afirmando em alto e bom tom que deveríamos nos preocupar em “cuidar do nosso quarto ao invés de querer mudar o mundo”.

Além disso, há que se reparar no “murismo” do Manifesto. Ao comentar o aumento da tarifa e subestimar a inteligência dos usuários do transporte, o texto é raso no posicionamento político do Centro Acadêmico, limitando-se a admitir a legitimidade dos protestos. Talvez fosse mais interessante uma carta-aberta subscrita pelo CAXIF à Câmara de Vereadores e à Prefeitura solicitando, entre outros, audiências públicas sobre as obscuras licitações do transporte público florianopolitano.

Mas tudo bem, o ensinamento que fica é cuidar do quarto, sem nos esquecermos, é claro, de que existe uma pequena diferença entre mudar o mundo e melhorar o transporte público de Floripa. E do contexto atual contraposto ao resgate histórico, a síntese que se extrai é o espírito inerte que hoje paira sobre o CCJ. Nos tempos em que este jornal circulava pela cidade e era formador de opinião, éramos um pouco mais preocupados em mudar o mundo ou, ao menos, mudar a realidade da cidade.

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