22 de setembro de 2010

O que o CAXIF tem a ver com os Movimentos Sociais?*


Vivemos tempos em que, cada vez mais, somos proibidos de falar e, sobretudo, de lutar contra as mazelas que nos afligem. Somos privados de gritar contra as ditas verdades postas, sejam elas um cartaz machista no corredor da faculdade, as tarifas abusivas de ônibus ou, até mesmo, a perversa divisão de terras do nosso país. São em momentos como estes que colocamos (ou deveríamos colocar!) o Direito em xeque e questionamos as injustiças que assolam o povo brasileiro. Não podemos esquecer que grande parte dos direitos hoje petrificados na dita Constituição “Cidadã” de 1988 não são uma mera concessão do Estado; são, na verdade, o fruto de séculos de lutas, através das quais pessoas deram sua vida para que pudéssemos gozar de um extenso rol de direitos fundamentais. Entretanto, esquecem de nos ensinar isso nas aulas de História do Direito.

Há tempos que, na linha de frente deste cenário, os movimentos sociais lutam para inverter essa lógica excludente e trazer um pouco mais de justiça para os nossos dias. Dentre esses, destaca-se o Movimento Estudantil, adjetivado de inglório pelo atual grupo (o qual gosto de chamar de direita, não por mera birra) que ocupa o CAXIF, como acentuou a ex-vice-presidenta de nosso C.A. em seu discurso de encerramento do último Congresso de Direito da UFSC. No entanto, a interlocutora do citado discurso mostra que muito pouco (ou nada!) conhece da história de nossa Universidade.

Basta lembrar os estudantes que, na década de 1960, ocuparam a casa do então Reitor João Davi Ferreira Lima reivindicando a construção de um restaurante universitário. À época foram atendidos e hoje temos um R.U. E por que não citar o episódio da década de 1970 em que os estudantes da UFSC ocuparam uma casa onde eram guardados materiais de construção de prédios da Universidade, localizada nos limites do campus (em frente ao atual Empório Manhattan), transformando aquela casa em moradia estudantil, até hoje utilizada para este fim? Um último exemplo são as bolsas de permanência, conquistadas a duras penas pelos estudantes no conturbado ano de 2007. Enfim, pergunto: onde estão as inglórias do movimento estudantil?

Outro movimento social que vem ganhando as páginas dos principais jornais de Santa Catarina é o MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Foram notórias as prisões arbitrárias efetuadas contra integrantes do Movimento no início deste ano, bem como a incessante tentativa da Polícia Militar catarinense de criminalizar o MST, entre outros movimentos. As prisões foram criticadas e classificadas como ilegais por vários juristas e até mesmo pelas associações dos delegados da Polícia Civil e Federal. Infelizmente, em momento algum o CAXIF demonstrou repúdio ao lamentável episódio. Inclusive, durante a última campanha para o CAXIF, a Chapa “Até Sempre” defendeu o MST colocando uma foto do movimento no polêmico varal, sendo que foi interpelada em sala por um integrante da Chapa “Novos Horizontes”, hoje gestão, onde este disse que o MST é um movimento ilegal, pois age contra legem (novidade!) e que ele conhecia a “realidade” do MST, pois seu pai tem uma fazenda. Bom, quanto a “conhecer a realidade”, é interessante também conhecer in loco a realidade de alguns assentamentos e acampamentos do Movimento aqui em Santa Catarina, como, por exemplo, a Cooperoeste do MST de São Miguel do Oeste/SC, que produz o Leite Terra Viva, o qual chega diariamente à mesa de 1,5 milhão de pessoas na Região Sul e em São Paulo.

Outra pauta importante, abandonada por completo pela direita que está no CAXIF nos últimos três anos, é o Movimento Pela Criação da Defensoria Pública em Santa Catarina. A Defensoria Pública é um órgão do Estado, garantido no art. 134 da Constituição Federal, que tem o dever constitucional de prestar assistência jurídica gratuita às pessoas que não podem pagar um advogado particular. Nosso Estado não possui uma Defensoria Pública Estadual nos termos da Constituição Federal e da Lei Complementar 80/94, deixando ainda mais precário o acesso à justiça pelos catarinenses. Frente a esse descaso, surgiu em 2005, na UNOCHAPECÓ, o Movimento Pela Criação da Defensoria Pública em Santa Catarina, que no dia 30 de junho deste ano entregou, na Assembléia Legislativa, um abaixo-assinado com quase 50 mil signatários, juntamente com um projeto de lei de iniciativa popular (o primeiro de Santa Catarina!), prevendo a criação da Defensoria Pública Estadual em nosso Estado.

Ocorre que, no mesmo dia, a OAB/SC emitiu uma nota posicionando-se contrária à criação da Defensoria Pública em Santa Catarina, além de promover um debate entre os candidatos ao Governo de Santa Catarina. No debate, a OAB/SC se posicionou, mais uma vez, contrária à Defensoria Pública e conseguiu extrair dos candidatos um apoio à Defensoria Dativa (modelo de defensoria prestado pela OAB/SC). A candidata Ângela Amin (PP) chegou ao ponto de afirmar que o trabalho da defensoria dativa “vem sendo positivo” e o candidato Raimundo Colombo (DEM) referiu-se à defensoria dativa dizendo que ela tem “excelentes resultados”, ou seja, os candidatos que mais pontuam nas pesquisas desconhecem a precária realidade do acesso à justiça em nosso Estado!

Para finalizar a total indiferença do atual CAXIF em relação aos movimentos sociais, temos as manifestações contra o aumento abusivo da tarifa de ônibus em Florianópolis, ocorridas no último mês de maio. Num momento em que o Diretório Central dos Estudantes da UFSC, diversos Centros Acadêmicos e organizações civis uniram-se contra a tarifa abusiva, o Centro Acadêmico XI de Fevereiro, C.A. mais antigo de Santa Catarina, fecha os olhos a esse problema e sequer emite uma nota de apoio aos mais de seis mil cidadãos que tomaram as ruas da Capital em protesto ou de repúdio ao lamentável episódio em que a Polícia Militar invadiu o campus da UDESC e prendeu arbitrariamente diversos estudantes.

Alegaram que não puderam trazer tal debate ao CCJ por estarem ocupados demais com outras atividades, estas que, por sua vez, garantiriam votos à chapa da direita. Num dos debates entre as chapas na última eleição para o CAXIF, o debatedor da Chapa “Novos Horizontes” disse que era um absurdo um C.A. pagar a fiança de estudante preso nas manifestações; entretanto, absurdo é o que acontece dentro das prisões com esses estudantes presos. Sem falar que o CAXIF, por ser um centro acadêmico de Direito, poderia ajudar nas Manifestações de outras maneiras, como, por exemplo, discutindo o direito à cidade além de questões de direito administrativo e tributário relacionadas ao transporte público que, em Florianópolis, já perdeu o caráter público há muito tempo!

É lamentável que o CAXIF seja hoje um centro acadêmico alheio a essas questões, um C.A. que não se posiciona, diferentemente do que acontecia em outros tempos (basta analisar o arquivo histórico do CAXIF). O nosso Centro Acadêmico, do jeito que está – mergulhado num formalismo autorreferente, adepto de um assistencialismo-maçônico-caridoso falido e insensível aos movimentos sociais – só vai andando na contramão da História, em nada contribuindo para as transformações necessárias ao Direito vigente.


* Texto que escrevi para a Folha Acadêmica, do CAXIF, e foi recusado pelo tamanho.

Foto: Movimento Passe Livre de Florianópolis em manifestação na Av. Hercílio Luz em 13 de maio de 2005. Eu estava lá no meio.

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